O sentimento agridoce de terminar a licenciatura durante uma pandemia.

Marta Duarte
5 min readMar 27, 2021

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Testemunhos reais de estudantes universitários que enfrentam a dolorosa realidade de uma experiência que vai ficar por viver.

Fonte: Unsplash

Em meados do mês de Março foi decretado o encerramento de vários estabelecimentos, incluindo os de ensino , devido à pandemia causada pela COVID-19. No dia 10 de Março, no centro do Campo Grande, mal é afixada a notícia gerou-se a confusão — os cafés fecham as esplanadas, o famoso Minicampus e Os Montaditos também, originando uma onda de pessoas atordoadas, sem entender o que se estava a passar.

Nas duas semanas seguintes os alunos não tiveram aulas e especulava-se que voltariam à faculdade em breve, mas como tal não aconteceu, iniciou-se o período das aulas online. As salas de aula foram substituídas por salas no Zoom, as horas de almoço foram passadas em casa e as pausas para café passaram a ser realizadas no House Party. Todo o convívio e toda a experiência académica evoluiu para um mundo online, no qual o nosso único contacto era exclusivamente virtual.

Mas não era isto que sonhávamos. Depois de tantos relatos e histórias sobre como seriam “os melhores anos da nossa vida”, as expetativas eram elevadas. Contudo, em tempos de pandemia o desfecho acabou por ser outro e a experiência académica que ambicionávamos viver, acabou por não se concretizar.

“É um pouco complicado acabar a faculdade durante uma pandemia, pois parece que não vivemos nada e ficámos com tudo pendente. A pandemia surgiu a meio do meu 2º ano e roubou-me a oportunidade de viver os melhores anos da minha vida. Havia tanto para viver e tanto para aprender, mas ficámo-nos só pela imaginação. É triste e agora o tempo não volta atrás.” — Inês Vitória, estudante de Marketing, Publicidade e Relações Públicas na Universidade Lusófona.

Viver uma realidade forçada: adaptação, desmotivação e frustração

Com o início de um novo ano letivo à porta, muitas universidades optaram por realizar aulas com turnos rotativos, alternando entre o regime presencial e remoto. Por breves instantes vimos a luz ao fim do túnel e recuperámos a esperança de uma vida normal mas, com o aumento dos casos, fomos obrigados a aceitar que as aulas online seriam a nossa nova realidade.

“Viemos todos para casa há 1 ano, ou seja, vivemos metade do curso praticamente em casa, o que acaba por ser desmotivante. Não existe o mesmo convívio e os cuidados são a redobrar. Fico triste por saber que vou acabar o curso nestes parâmetros mas temos de nos adaptar à nova realidade!” — Alice Cordeiro, estudante de Marketing, Publicidade e Relações Públicas na Universidade Lusófona.

Para alguns, esta realidade tornou-se normal, e até preferível. A rotina forçada revelou-se vantajosa em certos aspetos, nomeadamente o facto de não termos de programar o dia ao pormenor, sendo mais fácil dedicarmo-nos ao estudo e às responsabilidades académicas.

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“Terminar uma licenciatura no meio de uma pandemia tem um sentimento misto… Apesar de ter afetado o meu bem-estar, a minha motivação e força de vontade, o facto de as aulas serem online tem-me ajudado imenso. Já não me imagino a ter de voltar à rotina de acordar cedo e estar nos transportes públicos todos os dias para ir para a universidade.” — Gabriela Proença, estudante de Turismo na Universidade Lusófona.

Por outro lado, apesar da tecnologia ter vindo beneficiar o ensino à distância, existem diversos fatores — igualmente importantes para os estudantes — que uma simples videochamada não consegue resolver. A desmotivação constante, o aumento da carga horária e, por vezes, a falta de condições que impossibilitam um bom aproveitamento escolar, são alguns dos exemplos.

Mas, então, e a saúde mental?

Este é, talvez, um dos temas mais abordados desde o início da pandemia. São vários os testemunhos que vemos, diariamente nas redes sociais, de estudantes à beira de um ataque de nervos. O facto de termos que estar sempre em casa torna-se avassalador. Já não basta estarmos horas a fim ao computador durante o horário letivo, como também somos forçados a conviver através do mesmo.

“Passar o dia todo em casa, piorou bastante a minha saúde mental, deixando-me mais ansiosa e em baixo. Não temos os antigos convívios presenciais com amigos, que fazem tanta falta para desanuviar. Além disso, para quem não tem as melhores condições em casa, torna-se complicado arranjar motivação para estudar. Já para não falar da constante ansiedade causada pela pouca esperança de conseguir arranjar emprego após terminar a licenciatura.” — Fátima Gerardo, aluna de Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

A despedida do que ficou por viver

Este poderia ser um assunto que não afetasse a maioria dos estudantes universitários, isto, se parte desses estudantes não fossem finalistas da sua licenciatura. Se já foste estudante, sabes que a universidade é muito mais para além do estudo, dos trabalhos e dos exames.

Muitos dizem que a faculdade não é a mesma sem a vida académica, e é verdade. A Praxe, os jantares académicos, as horas passadas a estudar com os colegas — entre risos e desespero — , assim como as tardes passadas na esplanada a beber um “fino” ou uma “jola”, são alguns dos momentos que ficaram por viver.

“Acabar a licenciatura a meio de uma pandemia, é um sentimento de não ter vivido a vida de estudante a 100%. Nunca vamos perceber o verdadeiro significado de viver “os melhores anos da nossa vida”, pois passámos metade desse tempo em casa, a esperar ansiosamente por poder voltar à rua, aos abraços, às cervejas com os amigos e ao Traje que quase nunca saiu do armário.” — Luana Alexandrino Gouveia, estudante de Marketing, Publicidade e Relações Públicas na Universidade Lusófona.

A pandemia roubou-nos a experiência académia por completo. Nunca iremos saber qual seria a sensação de acolher e ensinar Caloiros, tal como nós. Nunca faremos parte das memórias de outros e jamais saberemos o que é olharem para nós como um exemplo — alguém que viveu e nos sabe encaminhar.

A tudo isto, acrescenta-se o dissabor que será viver uma Queima das Fitas diferente do que sempre sonhámos. Os abraços ficarão pendentes, os gritos não serão tão altos e as pessoas não serão as mesmas, por muito que queiramos. Iremos ter sempre a memória de um tempo interrompido, inacabado e inalcançável.

Na verdade, jamais saberemos o que é ouvir a “Balada da Despedida” no “momento da partida”. Apenas nos irá restar alguns momentos, traduzidos em memórias longínquas de um tempo que passou e não foi vivido.

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